Mudar de país requer coragem e demanda muita energia psíquica.
Eu costumo pensar que mudar de país é um pouco como renascer, mas um
renascimento relativamente planejado, preparado e estruturado, diferentemente do nosso primeiro nascimento.
À partir desta reflexão podemos pensar que regredimos muito quando mudamos de país.
Quando utilizo a palavra regressão, quero dizer que vários aspectos infantis de nossa personalidade vem à tona, regressam. Com isto, entramos em contato novamente com sentimentos que estavam acomodados, tais como a ansiedade, o medo, a tristeza, uma certa sensação de não petencimento, entre outros.
O fato é que, como em uma mudança de país tudo é novo (a cultura, a língua, os
hábitos, a metereologia, os amigos, os vizinhos, o trabalho e etc), o que estava relativamente acomodado bascula, e somos obrigados a uma readaptação a esta nova realidade. E não seria esta descoberta, esta obrigação de aprender muitas coisas, uma revivência do que tivemos um dia que descobrir e aprender enquanto crianças ?
Freud (1985) em seu artigo intitulado de « O estranho » (« L’inquiétante étrangeté »
em francês), sustenta que experimentamos em alguns momentos de nossas vidas uma sensação que, mesmo advinda de novas situações, remete ao passado ; quer dizer, à sensações já conhecidas e desagradáveis. O « estranho » será qualquer coisa de terrível /assustador que reaparece como sentimento e que remete à sensações outrora experimentadas e por isto familiares.
Este retorno de angústias e sentimentos arcaicos, quando provenientes da
readaptação em um novo país, fica ainda mais difícil pelo fato de que agora não somos mais crianças. Ou seja, somos adultos, de certa forma organizados psicologicamente, e também adaptados às nossas maneiras de ser e ao conforto do que até então pensavamos dominar.
Para um adulto que muda de país pode ser muito difícil lidar com suas próprias
fragilidades e com esta sensação do ‘estranho’ descrita por Freud, pois ele acaba pensando e organizando sua vida como vinha fazendo até então, e de repente precisa se confrontar com o fato de não conhecer, não dominar e não controlar as novas situações impostas pela mudança.
Um exemplo muito comum que ilustra bem o que quero dizer e que pode desencadear alguns sintomas de angústia, tristeza e despersonalização é a falta do domínio da língua falada no novo país. O fato de não podermos nos comunicar como em nosso país de origem nos desestabiliza e nos confronta com uma importante limitação e ao fato do não saber, tão difícil para o indivíduo adulto.
Em resumo o quero dizer é que a idéia de que as coisas que até então encontravam-se confortáveis e que pareciam estáveis, pode ser transformada bruscamente com a mudança,
podendo tornar esta descoberta e a adaptação muito difícil e até penosa.
Por isto fazer uma rede de amigos, participar de eventos de vizinhos e
encontros/palestras oferecidos pela comunidade e por algumas associações, fazer um curso de línguas, estudar e trabalhar são tão importantes para a nossa inserção na cidade onde escolhemos nos instalar, nos impulsionando à adaptação em uma nova cultura e diminuindo nosso sofrimento psíquico.
Infelizmente, todos estes espaços não garantem que a gente se sinta bem de imediato.
É por isto que aprender a tolerar nossas fragilidades e ter paciência com o nosso tempo de adaptação é muito importante. Não se cobrar tanto e não fazer comparações com outras pessoas também ajuda muito. Lembre-se de que você é único e por isto deve encarar este processo de maneira individual.
Se você sentir que a mudança está sendo muito sofrida, procure conversar com sua família, amigos, médico de referência, e opte por um tratamento psicológico. Não deixe, de maneira alguma, com que o sofrimento pela mudança se tranforme em algo mais grave.
E lembre-se sempre de que, somente atravessando momentos de regressão , muitas vezes tão sofridos, é que aprendemos, crescemos e evoluímos.
Denise Gaelzer Mac Ginity
Psicóloga clínica/Psicanalista em Paris
Telefone para contato : 06 68 08 12 80
Refêrencia bibliográfica :
FREUD, S. (1919) L’inquiétant étrangeté. In : L’inquiétante étrangeté et autres essais.
Collection Folio/essais. Paris, France : Éditions Gallimard, 1985.
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